Por Andre Wormsbecker / Quantum Dox
O Brasil, em sua complexa e, por vezes, dolorosa construção histórica, já teve um presidente que, segundo relatos e evidências da época, era negro: Nilo Procópio Peçanha.
Sua presença no mais alto cargo da República, entre 1909 e 1910, é um fato que deveria ser celebrado, mas que, ironicamente, foi quase apagado ou, numa jogada sutil, esmaecido nos registros oficiais e na memória coletiva. Mas, afinal, por que um fato de tamanha relevância foi varrido para debaixo do tapete da história? A resposta passa, inevitavelmente, pelo racismo estrutural da sociedade brasileira do início do século XX e pelos interesses das elites políticas.
A Ascensão e a Cor da História
Nascido em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, em 1867, Nilo Peçanha era filho de um padeiro pobre. Sua origem humilde e sua ascendência, descrita em jornais da época como parda, mestiça ou mulata, já o colocavam em um patamar de desafio diante da aristocracia da recém-proclamada República. Mesmo com as dificuldades, conseguiu se formar em Direito e logo se envolveu ativamente nos movimentos abolicionista e republicano. Sua inteligência e articulação o levaram a ser deputado, senador e, posteriormente, presidente do estado do Rio de Janeiro. Em 1906, foi eleito vice-presidente da República e assumiu a presidência em 1909, após a morte de Afonso Pena.
O problema de Nilo Peçanha, para a elite branca da República Velha, era justamente sua cor. Em um país que havia abolido a escravidão recentemente (em 1888) e ainda lutava para construir uma "identidade nacional" baseada em ideais europeus de “brancos”, ter um presidente negro era um escândalo. O preconceito era tão evidente que, quando se casou com Anita Belisário, de uma família rica, a imprensa da época debochou dele, chamando-o de "mestiço do Morro do Coco".
O Esforço Deliberado de Branqueamento
Durante seu breve, mas importante mandato, a estratégia para "corrigir" o "problema" da cor de Peçanha foi o embranquecimento de sua imagem. Suas fotografias oficiais eram cuidadosamente retocadas para clarear sua pele, numa tentativa de criar a ilusão de que o presidente não era uma pessoa negra. O racismo, naquela época, não se contentava apenas em marginalizar; ele tentava reescrever a própria aparência da figura pública para se adequar a um padrão imposto pela elite.
A invisibilidade de Nilo Peçanha nos livros didáticos e na história oficial é, portanto, um reflexo dessa tentativa sistemática de limpar a narrativa nacional de tudo que não se encaixasse no ideal branco. Ele desafiou o sistema ao chegar ao cargo mais alto da República, mas o racismo estrutural e os interesses das oligarquias políticas trataram de isolá-lo da narrativa oficial.

O Legado Ignorado
Apesar da brevíssima gestão, o legado de Peçanha não foi insignificante. Foi ele quem instituiu as Escolas de Aprendizes e Artífices, embrião dos atuais Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), uma iniciativa essencial para a profissionalização de pessoas de baixa renda. Além disso, criou o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que mais tarde se tornaria a Funai. Pelo seu trabalho na área educacional, foi reconhecido postumamente em 2011 como patrono da educação profissional e tecnológica no Brasil.
Mesmo com um legado incontestável e progressista para a época, após deixar a presidência, Peçanha foi sistematicamente deixado de lado na história, sendo derrotado em tentativas posteriores de voltar ao poder, o que pode ser visto como uma resistência das oligarquias ao seu passado "mestiço". Sua morte, em 1924, foi acompanhada de um velório simples, sem grandes homenagens, e, diferentemente de outros ex-presidentes, não há grandes monumentos ou estátuas em sua honra.
A história de Nilo Peçanha nos mostra que o Brasil já teve líderes negros e mestiços em sua mais alta instância de poder, mas que muitos foram invisibilizados e apagados para manter a ilusão de uma República feita exclusivamente por e para os brancos. Saber disso é resgatar um pedaço fundamental da nossa história que insiste em ser silenciado.
Você já havia ouvido falar sobre Nilo Peçanha antes de se deparar com essa história? E o que você acha que precisa mudar no ensino de história do Brasil para que figuras como ele sejam devidamente reconhecidas e celebradas?
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